Projeto ESTIMA usa dados do CadÚnico combinados com informações locais para fazer diagnósticos habitacionais que dialoguem com demandas municipais de planejamento.
Com 240.275 habitantes, de acordo com o Censo Demográfico de 2022, a cidade de Jacareí apresenta 14.812 domicílios em situação de déficit ou inadequação habitacional, sendo 6.019 deles localizados em favelas e loteamentos irregulares de baixa renda. Os dados são de uma pesquisa conduzida pelo Centro de Estudos da Favela (CEFAVELA-Cepid/Fapesp), sediado na Universidade Federal do ABC (UFABC). O município, distante cerca de 80 quilômetros da cidade de São Paulo, foi parceiro em um projeto-piloto para o desenvolvimento da metodologia que possibilitou avanços na análise e monitoramento das necessidades habitacionais municipais, dentro e fora de favelas. Trata-se do projeto ESTIMA – Estimativas Multidimensionais das Necessidades Habitacionais, coordenado por Flávia Feitosa, pesquisadora e responsável pela Área de Transferência de Tecnologia do CEFAVELA.
“O ESTIMA nasceu de uma demanda recorrente de instituições governamentais por estimativas de déficit habitacional mais condizentes com as necessidades locais de planejamento, que pudessem ser atualizadas com frequência e apresentassem detalhamento espacial. Os indicadores oficiais utilizados hoje não dialogam com informações territoriais e locais fundamentais para a elaboração de políticas públicas, como a localização e características das favelas”, explica Feitosa.

Não é possível identificar, por exemplo, quanto do déficit e inadequação habitacional diz respeito a famílias que são moradoras de favelas. “E essa informação é muito relevante, pois está diretamente relacionada ao planejamento de ações territorializadas e integradas, como as voltadas à urbanização de favelas” , acrescenta. Situações de déficit habitacional são aquelas em que se faz necessária a produção de uma nova unidade habitacional, enquanto os casos de inadequação envolvem a necessidade de melhorias na moradia existente.
Uma das inovações do ESTIMA está no uso combinado de dados locais sobre favelas com a base georreferenciada do Cadastro Único (CadÚnico), um registro que permite ao governo saber quem são e como vivem as famílias de baixa renda no Brasil. Para participar de programas sociais, como o Bolsa Família, é preciso se inscrever no CadÚnico. Criado pelo governo federal, o cadastro é atualizado constantemente, já que as famílias

inscritas precisam renová-lo a cada dois anos. “Ele traz informações muito relevantes, como o gasto com aluguel das famílias, algo que existia no Censo Demográfico do IBGE de 2010, mas não tem na edição de 2022. Ou seja, o gasto excessivo com aluguel, que representa cerca de 50% do déficit habitacional, deixou de ser captado pelos dados censitários”, ressalta.
“O CadÚnico também tem os endereços das habitações, o que permite geocodificar os dados, ou seja, pode-se produzir mapas que revelam como estão as condições de moradia em diferentes áreas do município. A disponibilidade dos endereços também permite a integração com outros dados espaciais, como a localização das favelas, viabilizando estimativas detalhadas do déficit e inadequação dentro e fora desses territórios”, prossegue.

Na pesquisa, os dados do CadÚnico recebem um tratamento para preservar as informações sensíveis, como o endereço preciso de cada habitação. Os mapas produzidos pelo CEFAVELA apresentam, de maneira aproximada, as situações de déficit e inadequação habitacional, sem apresentar as moradias individualmente. Para garantir a privacidade, o ESTIMA utiliza os mapas de calor, representações gráficas de dados em que a intensidade de um fenômeno é representada por cores, variando de tonalidades mais claras às mais escuras. Quanto mais escura a cor, maior a concentração de famílias em situação de déficit ou inadequação habitacional.
Os indicadores tradicionalmente utilizados pelas prefeituras para diagnóstico municipal das necessidades habitacionais são os produzidos pela Fundação João Pinheiro, que calcula o déficit habitacional e inadequação de moradias no Brasil. Ela utiliza predominantemente os dados do Censo Demográfico e é muito útil, mas não consegue apresentar os resultados com o nível de detalhamento espacial necessário para identificar a incidência dos problemas dentro e fora das favelas. “Os indicadores calculados a partir do Censo não conseguem subsidiar políticas públicas mais aderentes ao território por conta da baixa resolução temporal e espacial. Com a base do CadÚnico, conseguimos superar essas limitações, pois ela nos oferece endereços e é atualizado em períodos curtos de tempo”, explica.

A alta resolução espacial desses dados permite sua integração com outras bases territoriais. “Como continuidade da pesquisa, pretendemos integrá-los não só com dados sobre favelas, mas também com informações sobre áreas de risco e proximidade de equipamentos urbanos. Além disso, precisamos aprimorar estratégias para facilitar o uso dos resultados, desenvolvendo geoportais que dialoguem com as necessidades de técnicos e gestores e ampliem sua aplicabilidade no planejamento habitacional”, afirma.
Apesar das inúmeras vantagens do uso do CadÚnico, Bianca Santos, cientista de dados do CEFAVELA e responsável pelos cálculos da metodologia ESTIMA, faz uma ressalva: “O CadÚnico é um registro administrativo que não possui cobertura universal, embora abranja mais da metade das famílias em situação de vulnerabilidade. O Censo Demográfico continua sendo uma fonte de dados fundamental para a formulação de políticas públicas do país, e é muito importante que a perda de variáveis que compunham indicadores habitacionais seja revertida no levantamento de 2030”.
Parceira com prefeitura de Jacareí para projeto-piloto
A partir da parceria com a prefeitura de Jacareí, o CEFAVELA desenvolveu e aprimorou a metodologia, construída a partir de demandas levantadas em projetos anteriores com outras instituições governamentais. Os resultados obtidos pelo ESTIMA para a cidade foram apresentados em uma reunião de trabalho realizada em 1º de julho com cerca de 20 representantes da Fundação Pró-Lar e das secretarias municipais de Planejamento, Assistência Social, Educação, Mobilidade Urbana, Infraestrutura, e a Procuradoria Geral do município. Além de Flávia Feitosa e Bianca Santos, também participou do encontro a pesquisadora do CEFAVELA Rosa Scaquetti, especialista em metodologias participativas, que acompanhou a reunião para coletar contribuições dos gestores sobre a metodologia e seus resultados, com vistas a futuros aprimoramentos.
Roberta Rosemback, arquiteta da Diretoria de Habitação da Secretaria de Meio Ambiente e Planejamento de Jacareí, é uma das interlocutoras da prefeitura com o CEFAVELA. Além de auxiliar com a obtenção dos dados, ela revisou os resultados da pesquisa e organizou a reunião, que foi aberta por Alexsandro Quadros, presidente da Fundação Pró-Lar, instituição de utilidade pública criada por lei em 1980 com o objetivo de instituir políticas públicas voltadas à habitação para a população de baixa renda, especialmente os segmentos em situação de risco e vulnerabilidade.

Os participantes da reunião integram um grupo de trabalho para desenvolver o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), instrumento de planejamento e gestão habitacional obrigatório para municípios que aderiram ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS). Este, por sua vez, tem o objetivo de organizar e implementar ações para garantir moradia digna às famílias de baixa renda, especialmente aquelas que vivem em assentamentos precários.
“O projeto ESTIMA permite compreender com mais precisão as características da precariedade habitacional em Jacareí. Essas informações são fundamentais para a revisão do PLHIS, etapa essencial para que o município possa acessar recursos federais e aplicá-los de forma mais eficiente, direcionando melhor as ações”, afirma Rosemback. Novas conversas com o grupo de Jacareí devem ser realizadas para colher contribuições dos gestores e aprimorar o ajuste da metodologia ESTIMA à realidade local.
Acesse as fotos da reunião no Flickr do CEFAVELA!
_____________________________________
Sobre o CEFAVELA:
Com sede na Universidade Federal do ABC (UFABC), o CEFAVELA é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP e comprometido com o desenvolvimento de pesquisas, formação de recursos humanos, transferência de tecnologia e difusão de conhecimento para a sociedade sobre as favelas, em articulação com diversas instituições, movimentos e organizações sediadas e comprometidas com a agenda territorial das favelas. O CEFAVELA busca, por meio de uma abordagem interdisciplinar e multiescalar, gerar, articular e disseminar conhecimentos para ampliar a compreensão das dinâmicas territoriais das favelas e as formas de reprodução de desigualdades espaciais, bem como dos limites e potenciais de programas e políticas de melhoria desses territórios no contexto urbano contemporâneo.
_____________________________________
Atendimento à imprensa:
Janaína Simões
WhatsApp: 11-99903-6604
E-mail: comunicacao.cefavela@ufabc.edu.br
Instagram: @cefavela.ufabc