Comunidades serão parte ativa nas pesquisas conduzidas pelo CEFAVELA 

Aproximadamente 490 pessoas estiveram presentes na solenidade de lançamento do Centro de Estudos da Favela (CEFAVELA), realizada na segunda-feira, 7 de outubro, no Auditório 1 do campus de São Bernardo do Campo da Universidade Federal do ABC. Além de autoridades públicas, pesquisadores e estudantes, diversos movimentos em defesa da moradia e da melhoria das condições de vida nas favelas estiveram presentes no ato, além de gestores de política pública de diversas instâncias. O CEFAVELA é um dos novos Centros de Pesquisa, Difusão e Inovação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-FAPESP), sediado na UFABC. 

“Queria ressaltar a criação do Centro como resultado de um esforço coletivo. Além do apoio da Reitoria da UFABC e da Fapesp, não estaríamos aqui hoje sem o envolvimento e a colaboração de todos nossos parceiros acadêmicos, os gestores e os representantes dos movimentos sociais. Inclusive várias dessas parcerias são de longa data, bem antes da nucleação da ideia para criação do CEFAVELA”, destacou Jeroen Klink, diretor do CEFAVELA, na abertura da solenidade. “Nesse sentido, a lógica do funcionamento do CEFAVELA será também a produção coletiva do conhecimento, ou seja, uma agenda em torno de pesquisa, inovação e disseminação de conhecimentos que vai articular a academia, os órgãos de governo, os movimentos sociais e as organizações não governamentais”, completou.

Um dos destaques do Centro é justamente sua ampla rede de parcerias, que inclui a União Nacional por Moradia Popular (UNMP) como representante da população moradora das favelas. Além da UNMP, são parceiros do CEFAVELA: o Ministério das Cidades, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, a Escuela de Planeación Urbano Regional da Universidade Nacional da  Colômbia, o Indian Institute for Human Settlements (IIHS), University of the Witwatersrand, (WITS/Johannesburg/África do Sul), a School of the Built Environment da Oxford Brookes University (Inglaterra), o Geographic Data Science Lab, da The University of Liverpool (Inglaterra), e a Faculty of Geo-Information Science and Earth Observation (ITC), da University of Twente (Holanda). Parceiros que não puderam estar presentes no evento gravaram vídeos sobre a iniciativa. Eles foram exibidos na solenidade, que está gravada e disponível na página da UFABC no Youtube.  

O modelo de pesquisa colaborativa que une várias instituições acadêmicas, áreas de conhecimento e gestores do setor público já é uma prática consolidada. Mas, no caso do CEFAVELA, a importância dada para a participação ativa dos movimentos que representam a população que habita as favelas atende uma demanda premente. Ao se pronunciar na solenidade, Benedito Roberto Barbosa, coordenador da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo, afirmou que é fundamental ter a parceria com o CEFAVELA para construção de agenda e ferramentas que possibilitem não só o fortalecimento do processo de resistência das comunidades, mas o mapeamento e a identificação das demandas para prosseguirem na luta por políticas públicas que atendam essa população. 

“Não queremos ser apenas objeto das pesquisas, a gente quer também ser parceiro nessa construção, o que já estamos fazendo em diversas pesquisas conduzidas pelos laboratórios da UFABC. Podem continuar contando conosco para a construção dessas ferramentas e desses instrumentos para avançar na construção da política pública pelo fortalecimento da luta, das ocupações e das favelas do Brasil”, afirmou. 

Em seu início de atividade, o CEFAVELA já conta com uma equipe de 38 pesquisadores associados, sendo 11 cientistas de instituições acadêmicas estrangeiras, 15 da própria UFABC e 12 de outras instituições nacionais. O primeiro edital para seleção de pós-doutorandos já foi lançado, e há previsão para concessão de bolsas de treinamento técnico, iniciação científica, mestrado e doutorado, o que implicará no aumento gradual do número de pesquisadores atuando no Centro. 

Lançamento do CEVFAVELA
Mesa da solenidade

Por que criar um Centro de Estudos da Favela?

Mas por que criar um Centro de Estudos da Favela? A resposta foi dada por Rosana Denaldi, vice-diretora do CEFAVELA. “Primeiramente vamos lembrar que grande parcela da população brasileira vive em favela e seus assemelhados e que esses territórios são os mais atingidos por desastres agravados pela crise climática e são eles que abrigam a população mais vulnerável, de menor renda”, apontou. 

Segundo a pesquisadora, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do Censo de 2022 indicam a existência de 6,6 milhões de domicílios em favelas. Na região do Grande ABC, um estudo conduzido pela UFABC apontou que 25% dos domicílios se localizam nesses assentamentos. Há, ainda, pesquisas que apontam que em cidades como Recife (PE), esse percentual chega próximo de 50%. 

“Entretanto, a grande diversidade de tipologias de cidades e regiões, os problemas relacionados à conceituação da precariedade e as limitações metodológicas podem subdimensionar o problema e a limitada capacidade institucional de muitos municípios brasileiros dificulta ampliar esse conhecimento”, acrescentou Denaldi, completando que as pesquisas poderão contribuir na definição de estratégias de tratamento para os problemas de forma que dialoguem com a diversidade desses territórios  

As pesquisas do CEFAVELA vão impactar outros aspectos do estudo do urbanismo, ressaltou Márcio Pochmann, presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “A criação do Centro contribuirá para o entendimento de uma dinâmica mais ampla pela qual o Brasil passou no século XX, quando o país optou por um processo de industrialização que concentrou a população brasileira nas regiões litorâneas, algo que, atualmente, está mudando. “Hoje, 70% dos brasileiros ainda residem a não mais do que 200 quilômetros do Oceano Atlântico, mas o país está vivendo um processo diferente, apoiado em um modelo econômico primário exportador que vem deslocando parte da dinâmica e da população para cidades menores, para o interior paulista, partes do Paraná, Santa Catarina e para o Centro-Oeste”, explicou. 

A instituição do CEFAVELA também inova a própria pauta acadêmica, como destacou João Sette Whitaker Ferreira, diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Ele lembrou que um dos principais problemas das cidades, atualmente, é a desigualdade social e urbana, e que a população que mora nas favelas é a face mais aparente e que vive os extremos desse processo. “Sabemos o quanto esse assunto é importante e tem que entrar na pauta da universidade, da ciência, como um dos problemas que a universidade pública tem por obrigação tentar permanentemente resolver. Muitos de nós fazemos isso, mas sempre foi uma luta bastante árdua fazer com que essa temática entrasse na pauta universitária, e isso vem mudando no Brasil”, celebrou ele, destacando como indicativo dessa mudança a criação do CEFAVELA.

Ciência para geração de políticas públicas inovadoras

Leonardo Varallo, coordenador geral de Planos de Mitigação e Prevenção de Riscos da Secretaria Nacional de Periferias (SNP), do Ministério das Cidades, afirmou que os estudos a serem conduzidos pelo CEFAVELA vão ajudar no esforço do governo para a formatação de políticas públicas inovadoras voltadas a esses territórios e populações. “A gente entende que é por meio de uma rede de pesquisa, de movimentos sociais, de governos que vamos conseguir implementar, de fato, aquilo que a periferia precisa e reivindica há tanto tempo”, disse. 

Marco Antônio Zago, presidente da Fapesp, a principal financiadora do CEFAVELA, lembrou que o programa CEPID da agência de fomento é um dos competitivos atualmente e, por isso, um dos mais difíceis para conseguir aprovação de projeto. “A proposta foi exaustivamente examinada e passar por esse processo é um claro atestado da qualidade do projeto. Além disso, o CEFAVELA exemplifica duas tendências que se consolidaram na Fapesp: a busca conjunta por soluções para gargalos ao desenvolvimento do nosso estado e o forte impulso a projetos que têm impacto na política pública”, ressaltou. 

Vahan Agopyan, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo, também destacou a importância de se incentivar o sistema acadêmico a estudar e propor soluções para problemas da sociedade. “Vocês definiram como uma das áreas de atuação as capacidades estatais, limites e potencialidade das intervenções em favelas. É fundamental entender como os resultados dos estudos poderão ser apresentados como sugestões de políticas públicas que possam ser aproveitadas pelos diversos governos, mas é muito importante, quando o governo recebe um estudo denso, também ter as indicações de como os resultados desse estudo podem ser aplicados em benefício da população”, elogiou.