Rosana Denaldi, vice-diretora do CEFAVELA, alerta que reposicionar o programa focado neste tema é desafio para os governos federal, estaduais e municipais.
Uma das ações mais importantes para a urbanização de favelas no governo atual é o Programa Periferia Viva, política pública elaborada a partir de aprimoramentos do antigo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) destinado para esses territórios. A ação tem R$ 5,2 bilhões previstos para atender 292 municípios. Um dos principais avanços do Periferia Viva em relação ao PAC está na escuta dos moradores e apoio a iniciativas já em curso, mas o programa precisa lidar com o enfraquecimento do tema da urbanização de favelas na agenda pública, especialmente no nível dos municípios. É o que aponta Rosana Denaldi, vice-diretora e pesquisadora do Centro de Estudos da Favela (CEFAVELA-Cepid/Fapesp).
O Programa Periferia Viva se distingue de outras iniciativas focadas na urbanização de favelas ao prever a integração de ações sociais que viabilizem estratégias de desenvolvimento territoriais mais amplas, uma atuação para além da execução de obras de infraestrutura. Outro diferencial do programa em relação ao PAC anterior é a atuação das assessorias técnicas, compostas por pessoas de dentro e de fora do governo, para elaboração do Plano de Ação, principal instrumento de planejamento participativo do programa. Podem integrar as assessorias organizações da sociedade civil, coletivos e movimentos sociais, instituições de ensino superior e outras pessoas jurídicas capacitadas.
Cada ente que propuser um projeto de urbanização de favela para obter recursos do Periferia Viva precisará elaborar seu Plano, que será encaminhado aos ministérios que possam atuar nessa área, de forma a haver a articulação entre diversas políticas. As assessorias técnicas deverão operar no chamado Posto Territorial, lugar que deve ser facilmente acessível para os moradores locais, de modo a permitir a participação da comunidade.
Agenda de pesquisa para o Novo PAC e o Periferia Viva
Considerando os aspectos limitantes do PAC anterior, Rosana Denaldi elencou alguns pontos possíveis de serem melhorados no Programa Periferia Viva. “Seria recomendado ampliar a escala de intervenção, além de se fortalecer e se reposicionar os programas de urbanização de favelas na agenda dos municípios”, afirma. Esta recomendação surge pela observação que a pesquisadora fez em visitas e reuniões recentes a prefeituras, quando pôde perceber, na prática, o impacto da perda de importância desse tipo de programa na agenda pública. “Os setores que lidam com urbanização de favelas nas prefeituras estão virando setores de regularização. Isto está ocorrendo em diversos municípios, de variados estados e portes”, acrescenta. Outro ponto de atenção para o programa está na aplicação do novo marco do saneamento ambiental nos projetos.
Denaldi apresenta, ainda, uma agenda de pesquisa, tendo em vista que uma das missões do CEFAVELA é informar a política pública para o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos programas. Nesta agenda, ela propõe alguns temas que já estão contemplados nas linhas de pesquisa e projetos do Centro e outros que podem ser desenvolvidos por outras entidades de pesquisa ou de forma colaborativa com o CEFAVELA. São assuntos que podem contribuir para a execução da política pública voltada para a urbanização das favelas.
Entre os pontos dessa agenda estão: revisar conceitos e categorias para identificação e caracterização das favelas e comunidades urbanas; analisar a qualidade da moradia na favela urbanizada e as possibilidades e limitações para tratamento da precariedade também no ambiente interno das moradias; e conhecer as dinâmicas contemporâneas de produção e apropriação do espaço e do mercado informal em favelas em contexto metropolitano e que já tenham passado por processos de urbanização, com vistas a identificar os agentes e as práticas cotidianas de promoção imobiliária e autoprodução dos espaços.
Outras pesquisas que podem ser conduzidas para aprimorar o programa se relacionam ao padrão de financiamento do desenvolvimento urbano e favelas e à análise das consequências ou impactos dessas transformações no ambiente construído e na qualidade de moradia. Este último tema se relaciona diretamente com o processo da reprecarização, constantemente observado pelos pesquisadores quando começam seus trabalhos de campo em territórios de favela. Avaliar a aplicação da lei de regularização fundiária no contexto atual também é tema de estudo que interessa ao poder público.
Há também as pesquisas que contemplam inovações para o processo de urbanização de favelas. Neste campo, ela propõe a avaliação de soluções técnicas, de infraestrutura e de drenagem nos projetos de urbanização; desenvolver propostas para lidar com os desastres agravados pelas mudanças climáticas, com previsão de ações e projetos para além das iniciativas já pensadas; e também a avaliação do impacto do novo marco do saneamento.
Os pesquisadores podem, também, fazer o acompanhamento e a avaliação do PAC-Periferia, incluindo a participação no novo arranjo institucional estabelecido para o Periferia Viva por meio da atuação de assessorias técnicas para elaboração do Plano de Ação.
Já no campo das inovações sociais, há um largo campo de estudo sobre as novas tecnopolíticas urbanas nas favelas e as dinâmicas de comunicação, e sobre o entrelaçamento entre o empreendedorismo popular e as transformações nas economias urbanas.
Por fim, Denaldi aponta para a necessidade de se fazer mais pesquisas para ampliar o conhecimento sobre urbanização de favelas em outros países, como os vizinhos da América Latina, os da África Subsaariana e a Índia, que enfrentam desafios semelhantes ao Brasil neste campo.
Análise das fases anteriores do PAC
Quando criado, o PAC contou com duas fases: PAC1 (2007-2010) e PAC2 (2011-2014). No PAC1, foi criada a Modalidade Urbanização de Assentamentos Precários (PAC-UAP), incluída no Eixo denominado Infraestrutura Social e Urbana. No PAC2, a mesma modalidade passou a fazer parte do Eixo Minha Casa Minha Vida. Segundo Rosana Denaldi, as intervenções realizadas pelo governo no âmbito do PAC1 e 2 melhoraram a qualidade de vida e moradia. “Mas nem sempre as ações alcançaram os patamares adequados de qualidade urbanística ou ambiental, permanecendo a precariedade mesmo com os investimentos em urbanização”, aponta.
Pesquisa desenvolvida em rede, intitulada “Direito à Cidade e Habitação: um balanço do PAC Urbanização de Favelas”, realizada em parceria com o Observatório das Metrópoles, mostrou que o elevado percentual de remoção e reposição de moradias e insuficiente articulação de programas de urbanização com produção de novas moradias. Outro ponto crítico foi a baixa articulação de projetos de urbanização, mobilidade e macrodrenagem, e da agenda ambiental e urbana. O tratamento dos conflitos socioambientais também é um dos aspectos ressaltados pela pesquisadora, algo que se relaciona ao processo de reprecarização – a reocupação de espaços urbanizados, como, por exemplo, as beiras de córregos e remoção de pessoas de áreas ambientais protegidas que voltam a ser ocupadas depois de um tempo. “A permanência do Estado no pós-urbanização é um ponto de atenção”, completa.
Também foi detectada a articulação insuficiente interfederativa e metropolitana. As ações do PAC também não consideraram adequadamente o alto adensamento das favelas e o fato de o território estar em constante transformação, o que também se relacionada a como o Estado atua depois do pós-urbanização. “Precisamos financiar processos e não apenas projetos de urbanização, se quisermos uma política pública mais eficaz”, finaliza.
Rosana Denaldi apresentou as análises e propostas na primeira mesa do IV Seminário Internacional de Urbanização de Favelas (UrbFavelas), realizada dia 21 de novembro no Centro de Difusão Internacional (CDI-USP), intitulada “Brasil-favela: a política nacional recente”. Acesse o arquivo da apresentação:
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